A Doente e a FamíliaQuando uma doença grave bate à porta de alguém, não é só o doente que é atingido. Toda a familia fica doente. Aí, penso que depende muito da sua estrutura, para que tudo, mesmo na doença, continue aparentemente normal.
Cada um reage à sua maneira, não sem considerar que o grau de sofrimento a cada um cabe viver. É como se cada um iniciasse uma peregrinação, utilizando somente os seus próprios recursos.
Assim, a partir daquele momento, penso que a pior coisa é abandonarmo-nos. É necessário um pouco de distanciamento para se fazer uma análise mais válida, mas há solicitações tão prementes, que muitas vezes não é possível. Processar dentro de nós o que o outro (que amamos tanto) está a sentir é talvez uma via para a integração. Não é fácil viver através do outro, porque há sempre padrões que nos distinguem e isso por vezes traz conflitos.
Quando a casa da minha irmã começou a “desabar”, eu, na tentativa de ajudar, quis muitas vezes fazer as coisas à minha maneira. Claro que não foi possível, embora eu pense que se fez o melhor para todos. A minha irmã sempre foi muito orientada, e por isso também foi possível encontrar algumas ajudas essenciais para as tarefas diárias. Não eram perfeitas, mas globalmente, eram presenças bem vindas.
Ao contrário do que muitas vezes pensei ser melhor, a Josélia e o Vítor fecharam-se num mundo muito restrito. Como o André era muito jovem quando a mãe adoeceu, sentia igualmente uma grande preocupação por ele. Não tinha a certeza se o contacto com o corpo doente de mãe (o André era uma ajuda primordial lá em casa) seria muito punitivo em termos de crescimento. Hoje acho que não, e penso que através da doença, a minha irmã teve uma fantástica experiência como mãe: eles viveram de forma autêntica, habituaram-se um ao outro, sabiam os dois os passos que tinham que dar, para que tudo resultasse. Conseguiam brincar e rir-se de uma forma lúdica de situações mais ou menos caricatas que por vezes surgiam.
Penso, assim, que o André foi capaz de aceitar com heroicidade, receptividade espontânea e instintiva, o que só uma pessoa harmonizada consegue. Por isso, qualquer ser, que conhece instintivamente a verdade, reage igualmente de uma forma verdadeira e sábia perante a adversidade.
Hoje o André já é pai, e por isso eu penso que o pequeno Afonso vai ter o melhor pai do mundo, porque quem se disponibilizou para ser tão bom filho, vai ser isso mesmo.